1. OS CONCEITOS
Antes de mais nada, para que se possa compreender as consequências de eventuais conflitos que venham a surgir entre nomes de domínio e marcas, é importante fazer uma breve diferenciação entre os dois institutos. Os nomes de domínio são caracterizados como uma combinação de letras que forma o nome indicativo de um website na internet, através da qual este último pode ser acessado. De forma simplificada, pode-se dizer que o nome de domínio corresponde ao endereço eletrônico de uma determinada página virtual. No brasil o registro de nomes de domínio é feito através do Comitê Gestor Internet (CGI.br). Já as marcas são definidas como sinais distintivos aplicados a produtos ou serviços, que possuem como função primordial a identificação e a diferenciação destes produtos ou serviços de outros idênticos ou semelhantes. O registro de marca no Brasil é de competência do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). 2. O CONFLITO Com a expansão da utilização da internet como meio de divulgação e comercialização de produtos e serviços nos mais diversos setores da economia, é natural que surjam conflitos entre marcas registradas (ou cujo pedido de registro se encontra em trâmite perante o INPI) e os nomes de domínio. Não existe no Brasil um sistema de cruzamento de dados capaz de analisar, previamente à concessão do registro de um nome de domínio, eventuais conflitos com marcas registradas perante o INPI. Para além disso, com relação aos nomes de domínio, vige no país o princípio do “first come, first served”, o que significa que o nome de domínio será concedido ao primeiro que vier a solicitá-lo, sem que haja necessidade de qualquer prova de merecimento ou de relação com a palavra ou expressão que irá compor o endereço eletrônico pretendido. É verdade que a utilização deste critério de avaliação torna o processo menos burocrático e consequentemente mais ágil. Ao mesmo tempo, no entanto, ele dá margem ao surgimento de inúmeros conflitos entre nomes de domínio e marcas, inclusive facilitando a prática de ações fraudulentas tais quais as chamadas cybersquatting e typosquatting. O cybersquatting, também chamado de “grilagem virtual”, se caracteriza pela ação de se adiantar e registrar um nome de domínio antes do real interessado, para que posteriormente se possa lucrar com a venda destes domínios para aqueles que possuem interesse legítimo na sua utilização. O typosquatting, por sua vez, consiste no registro de domínios muito semelhantes a marcas de outras empresas, apenas com alguma letra trocada, dobrada ou suprimida, de forma a induzir os consumidores em erro, levando estes a crer que estão acessando um conteúdo que realmente foi fornecido pelo titular daquela marca. Nestes casos, há uma fraude evidente, que pode e deve ser combatida pelo poder judiciário. No entanto, os conflitos podem surgir também de forma natural ou ao menos não proposital, quando por exemplo uma empresa é titular de uma marca e outra, de boa-fé, vem a registrar domínio idêntico ou muito similar a esta marca. 3. O DIREITO Diante deste cenário, surge a dúvida que dá razão ao presente artigo: em eventual conflito entre nomes de domínio e marcas, o que prevalece? Ainda que, como dissemos, vigore no Brasil o princípio do “first come, first served” com relação aos nomes de domínio, a aplicação deste princípio não é absoluta. A Resolução 2008/008 do CGI.br, que regula o procedimento para registro de nomes de domínio, dispõe logo em seu artigo 1º que não poderá ser escolhido nome [de domínio] que desrespeite a legislação em vigor, que induza terceiros a erro ou que viole direitos de terceiros. Desde logo se pode afirmar, portanto, que o registro de um domínio deve observar as disposições da Lei de Propriedade Industrial e também os direitos adquiridos por terceiros que sejam titulares de uma marca. A utilização de uma determinada palavra ou expressão em um nome de domínio pode caracterizar uso indevido de marca ou mesmo concorrência desleal, caso aquela palavra ou expressão esteja registrada como marca perante o INPI. Neste sentido, em decisão a respeito do tema, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação nº 0078378-34.2004.8.26.0000) afirmou categoricamente que “o registro de “nome de domínio” na internet, deve respeitar os direitos sobre marcas existentes. ” Desta forma, a primeira conclusão a que se chega é a de que os direitos conferidos ao titular de uma marca, conferidos em conformidade com a Lei de Propriedade Industrial, deverão ser observados e respeitados pelo requerente de um nome de domínio e, caso o domínio em questão já tenha sido registrado, dependendo das circunstâncias do caso concreto este poderá ser cancelado ou transferido diretamente ao titular da marca. Neste sentido, conforme leciona o mestre Fábio Ulhoa Coelho, havendo “conflito entre a anterioridade na solicitação no nome de domínio e o registro da marca no INPI, prevalece este último. Assim, o legítimo titular de marca registrada tem o direito de reivindicar o endereço eletrônico concedido (...) a outra pessoa, sempre que o domínio reproduzir sua marca” (COELHO, 2004, p. 92.). Não obstante, a simples existência de uma marca idêntica ou similar registrada perante o INPI não significa necessariamente que um nome de domínio terá que ser cancelado ou transferido. Como já mencionado em artigo anterior, a marca serve para diferenciar produtos ou serviços dentro de um determinado ramo de negócios. Desta forma, marcas idênticas ou similares podem ser utilizadas ao mesmo tempo no mercado, desde que os produtos ou serviços que sejam por elas identificados não sejam semelhantes, idênticos ou afins, de forma que não se crie confusão ou associação entre as marcas, nos termos do art. 124, XIX, da Lei de Propriedade Industrial. Isto leva a uma segunda conclusão: apesar de uma marca registrada, em princípio, prevalecer sobre um nome de domínio, caso este último seja utilizado em ramo diverso daquele no qual os produtos ou serviços identificados pela marca estão inseridos, possivelmente não haverá um conflito propriamente dito e, portanto, o titular do domínio poderá continuar a utilizá-lo. Ou seja, para que se caracterize de fato um conflito, há que se comprovar que a utilização do nome de domínio em questão de alguma forma se enquadra no conceito de concorrência desleal, abuso de direito ou má-fé. Por fim, é possível afirmar que para que se tenha total segurança na utilização de uma marca e do seu nome de domínio correspondente, sem correr riscos futuros quanto à plena exploração de ambos, é importante que a empresa obtenha os registros tanto da marca quanto do domínio. No entanto, não sendo este isto possível (e havendo o conflito), o registro da marca perante o INPI tende a prevalecer sobre o registro do domínio feito através do CGI.br quando estiverem em causa empreendimentos que atuam em um mesmo ramo de atividade. Em caso de dúvidas, entre em contato conosco.
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AutorTiago W. Morozowski Arquivos
April 2020
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